Apesar da ligeira turbulência que se vem verificando, o Governo e primeiro-ministro sempre controlaram a maioria dos danos, com técnicas que já foram testadas, com eficácia, noutros países. Mas na semana que passou os portugueses assistiram ao primeiro fenómeno de descontrolo político deste Governo, sem que nenhum "efeito" tivesse o condão de acalmar a fúria dos eleitores e os danos assinaláveis no prestígio e credibilidade da maioria. E é nisso que se percebe que o controlo de danos e o apertado cerco mediático do Governo não chegam para esconder, ou atenuar, indefinidamente, um descontentamento que começa a avolumar-se na sociedade portuguesa. A Educação, a Saúde, o Orçamento, as Scut e o aumento da electricidade bastaram para instabilizar todo o Governo e, mesmo com recurso à sua excepcional máquina de informação, não se livraram de disparates sucessivos e intervenções catastróficas. É o primeiro sinal, indesmentível, de que os portugueses não vão aceitar tudo, de bom e de mau, sem mostrar o seu profundo descontentamento. O primeiro-ministro que se acautele e previna. Não basta uma maioria absoluta para ter sossego e tranquilidade, nem os eleitores já se acomodam a isso. Tudo o que vem também vai, e ter uma maioria absoluta em eleições é um facto temporário, conjuntural, que pode, de repente, e sem qualquer previsão, transformar-se num fardo insuportável e rapidamente destrutivo. Outros que o digam, que já passaram pelo mesmos, tanto aqui, como noutros países. O Governo, e particularmente o primeiro-ministro, construíram a imagem e a convicção de que tudo se poderia fazer e decidir, mesmo a mais rídicula e bizarra das medidas, sem que as condições "climatéricas" se alterassem, baseados na premissa política de que uma maioria absoluta tem quatro anos de vida, e nada, nem ninguém, a pode pôr em causa. É um grande erro, e pode ser dramático. Ao contrário do que acontece com a eleição presidencial, onde a maioria se esgota no momento da escolha, um Governo e um primeiro-ministro têm de saber gerir esses votos, e esse estado de espírito, para que o Executivo esteja tão próximo quanto possível daquilo que é o sentimento real dos eleitores. Quando o afastamente se verifica, e a realidade de uns não corresponde à dos outros, começam a esquizofrenia e o autismo. Os primeiros sinais são incontestáveis. Tanto mais que o primeiro-ministro já entra pela porta dos fundos quando se desloca pelo País, o que não é propriamente muito agradável de ver. Será que um dia nem sairá do resguardo de São Bento? Convém acrescentar que o Governo tem beneficiado de uma situação de privilégio excepcional: a oposição ainda não agarrou o clima, tirando o PCP e, de vez em quando, o BE, e isso ajuda a disfarçar. Mas também aí o tempo ameaça mudar, de uma forma não prevista, nem controlada, como aconteceu em Santarém. A natureza política tem destas coisas: por muito adormecida que pareça estar, pode explodir repentinamente, e essa experência, dramática, já o PS passou, com maus resultados. Deve dizer-se, obviamente, por razões de rigor, que Sócrates apenas viveu um "tornado" político localizado, embora muito forte, que assustou e passou. O problema, contudo, é que a sua repetição é altamente provável, onde menos se espera, e com consequências pesadas. E de pouco valerá o controlo prévio, a contenção de danos antes da crise e o alerta laranja preventivo. Estes fenómenos vão repetir-se, não dão estabilidade a nenhum Governo, muito menos aos que acham que tudo podem fazer, contra todos, no curto espaço de tempo de quatro anos, sem que o descontentamento se manifeste. Isso era dantes.
Luís Delgado
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